A engenharia genética por trás dos produtos vendidos como naturais

Produtos de consumo com ingredientes feitos com a ajuda de uma forma avançada de engenharia conhecida como biologia sintética estão começando a aparecer com mais frequência nas prateleiras dos supermercados e lojas de departamento.

Um sabão líquido para roupas feito pela Ecover, empresa belga que faz produtos de limpeza “verdes”, incluindo a linha Method, contém um óleo produzido por algas cuja sequência de DNA foi modificada em laboratório, de acordo com Tom Domen, o gerente de inovação de longo prazo da empresa.

A Ecover afirma que o produto a base de algas é um substituto “natural” para o óleo de palma, cuja demanda é tão grande que os ambientalistas temem que as florestas tropicais estejam sendo desmatadas para abrir espaço para as plantações das palmeiras, alterando ecossistemas e colocando em risco espécies ameaçadas de extinção.

“Encontrar uma fonte sustentável de óleo de palma não é nada fácil”, afirmou Domen. “Esse novo óleo é uma alternativa mais sustentável criada por um novo tipo de tecnologia,”

Unilever usa algas no Lux

Essa tecnologia, a biologia sintética, envolve a criação de sistemas biológicos com objetivos específicos. Originalmente voltada para a produção de biocombustíveis, a tecnologia já existe há cerca de 20 anos, mas as aplicações começaram apenas recentemente a surgir em diversos outros setores, incluindo o de cosméticos, aromas e fragrâncias.

Recentemente, a Unilever anunciou que estava utilizando óleo de algas em seu popular sabonete Lux e que o óleo era feito pela empresa Solazyme. As duas empresas fecharam um contrato em 2009 para explorar o uso dos produtos da Solazyme em parceria com a gigante dos cosméticos.

Mas em uma ilustração de como as empresas podem estar relutantes em revelar o uso da biologia sintética, não se sabe se o óleo utilizado nos sabonetes Lux foi gerado por meio do mesmo processo sintético do sabão da Ecover. A Unilever se negou a comentar o assunto.

Esses anúncios levaram uma série de grupos ambientalistas e ativistas do direito do consumidor a exigirem que as empresas mostrem na embalagem dos produtos se a biologia sintética foi utilizada para criar algum dos ingredientes do produto.

“Apoiamos a determinação da Ecover de deixar de utilizar o óleo de palma, que não é sustentável, mas gostaríamos que a empresa abandonasse a falsa solução que o uso de ingredientes derivados dessa nova forma de engenharia genética – os organismos sinteticamente modificados – representa”, escreveram os grupos em uma carta à empresa.

Enzima usada no queijo é produzida por micróbio modificado

Um ingrediente fundamental para os medicamentos de combate à malária, a artemisinina, já está sendo produzida a partir de uma levedura alterada por meio da biologia sintética.

A Solazyme apontou para o coalho, processo fundamental na produção do queijo que exige uma enzima chamada quimosina para promover a coagulação. Tradicionalmente, o estômago dos bezerros fornecia essa enzima, mas desde o fim dos anos 1990, a enzima é gerada por um micróbio cujo código genético foi alterado pela inserção de um único gene bovino, e esse processo agora é amplamente utilizado.]

Alguns novos processos utilizam técnicas de biologia sintética que alteram profundamente o código genético. Entre essas técnicas está a “síntese artificial de genes”, na qual o DNA é criado por computadores e inserido em organismos, e outros métodos para a alteração de sequências de DNA e genes dentro de organismos para modificar suas funções.

Essas técnicas são utilizadas para influenciar bactérias, fungos e outros organismos a produzir substâncias que normalmente não são produzidas. As algas que estão fabricando o óleo Ecover e estão sendo utilizadas no sabão, por exemplo, não gerariam esse óleo sem a alteração genética.

“É impossível coletar as algas do mar para produzir o óleo”, afirmou Domen.

De acordo com o ETC Group (a organização de Erosão, Tecnologia e Concentração com sede no Canadá que acompanha tecnologias em desenvolvimento), a Ecover é a única empresa que confirmou publicamente o uso da biologia sintética para criar um ingrediente encontrado em um produto específico, o Ecover Natural Laundry Liquid.

A Ecover compra o óleo de algas da Solazyme, que costumava se descrever como uma empresa de biologia sintética, mas que agora tirou o termo de seu site.

“Ambas utilizamos cepas naturais, reprodução clássica e seleção de cepas, além das ferramentas de biotecnologia moderna, para produzir uma ampla variedade de óleos e ingredientes”, afirmou Genet Garamendi, porta-voz da Solazyme, em um e-mail.

A Solazyme descreve o organismo que produz o óleo como “uma cepa otimizada” de uma alga unicelular “que existe há muito mais tempo que a humanidade”.

A Solazyme destacou os benefícios ambientais de seus processos e destacou que organizações ambientais como a World Wildlife Fund apoiam seu trabalho.

“Nós utilizamos a biologia molecular e a fermentação ambiental padrão para produzir óleos de alga sustentáveis e renováveis que ajudam a aliviar a pressão nos ecossistemas frágeis na linha do Equador que são frequentemente sujeitos ao desmatamento e à destruição de habitat”, afirmou Jill Kauffman Johnson, diretor de sustentabilidade da empresa, por e-mail.

Produtos não são naturais, dizem entidades de defesa do consumidor

Todavia, outros grupos ambientais e de defesa do consumidor desejam que a Ecover destaque o uso da biologia sintética no novo óleo para que os consumidores saibam o que estão comprando.

Eles reconhecem que o novo óleo utilizado no sabão para lavar roupas da Ecover não contêm ingredientes geneticamente modificados no sentido convencional do termo. Na verdade, o organismo que produz o óleo é que foi geneticamente alterado.

Porém, eles afirmam que chamar os produtos que contêm esses ingredientes de “naturais”, um óbvio argumento de venda, passa uma impressão errada.

“Não é isso que os consumidores pensam quando veem a palavra natural na embalagem”, afirmou Michael Hansen, cientista sênior da Consumers Union.

Nesse momento, o setor ainda não foi devidamente regulamentado. Um comitê científico da Convenção de Diversidade Biológica das Nações Unidas espera discutir a ciência e as potenciais implicações regulatórias em uma reunião a ser realizada no mês que vem, e um novo estudo sobre a regulamentação governamental da biologia sintética destaca que essa tecnologia está se desenvolvendo de uma forma que não se enquadra nas atuais regulamentações.

“Para nós, o que é mais importante é que não há qualquer supervisão do governo voltada especificamente para a nova tecnologia, e não houve nem regulamentação, nem discussão sobre como estruturá-la – embora os produtos já estejam entrando para o mercado”, afirmou Jim Thomas, pesquisador do ETC Group.

As empresas de biologia sintética destacam que alguns dos micro-organismos que criam para fazer ingredientes como os aromas de laranja e toranja estão de acordo com as recomendações da Agência de Proteção Ambiental dos EUA (EPA, na sigla em inglês) e que o FDA declarou que os ingredientes que eles produzem “são geralmente reconhecidos como seguros”.

Monsanto e Dupont discutem como evitar órgãos reguladores

O setor está se preparando para responder questões sobre o impacto de suas tecnologias. Este mês, a SynBioBeta, que afirma ser “uma organização dedicada a nutrir o crescimento sustentável do inovador setor da biologia sintética”, realizou um fórum no qual empresas como a Amyris, a Evolva, a Monsanto e a DuPont Industrial Biosciences discutiram qual era a melhor forma de moldar a opinião pública e de evitar o escrutínio dos órgãos reguladores.

Domen, da Ecover, afirmou que houve um grande debate interno sobre o uso do óleo de algas, mas que os benefícios ambientais superam as preocupações sobre a reação negativa dos consumidores.

O óleo é produzido pelas algas geneticamente modificadas em biorreatores, afirmou Domen, e são alimentadas com cana-de-açúcar. Em seguida, são coletadas e prensadas para liberar o óleo, afirmou.

Domen também disse que a Method, uma linha popular de produtos de limpeza que a Ecover comprou em 2012, também está pensando em utilizar os ingredientes gerados por meio dos processos de biologia sintética.

Além disso, o porta-voz encaminhou as questões sobre o descarte das sobras das algas após a extração do óleo para a própria Solazyme, que respondeu: “A biomassa resultante é completamente inerte e pode ser utilizada para uma série de aplicações que são benéficas para a redução da emissão dos gases do efeito estufa.”

A Ecover afirmou que está trabalhando em parceria com a Friends of the Earth, a ETC e outros grupos para resolver as preocupações em relação às indicações na embalagem do produto.

“Estamos em busca da melhor forma de comunicar essa informação nas embalagens”, afirmou Domen. “Certamente queremos fornecer todas as informações necessárias para os consumidores.”

Autor: The New York Times